
Reprodução site vinilrecords.com.br
A festa momesca de 2025 em Salvador, Bahia, apresenta a temática “Axé Music – 40 carnavais”.
O marco, a partir do qual se contam os quarenta anos, é o disco Magia, de Luiz Caldas. Lançado em 1985, o álbum furou bolhas (para usar um termo atual) e foi o início de uma era na qual artistas baianos, gravando na Bahia, começaram a ganhar notoriedade nacional.
Tal notoriedade, vale dizer, teve como um dos destaques a música “Fricote”, a faixa 01 do lado B daquele disco.
Nascida como “Lado B”, “Fricote” virou carro-chefe. A canção tomou conta do Brasil e estava nas TVs, nas rádios, em todos os trios elétricos e não saia da boca das pessoas, fossem crianças ou adultos.
Contraste
Hoje, bem diferente daquela época, a canção seminal da axé music não é tocada sequer pelo artista que foi alçado por ela.
Isso são sinais dos tempos e Luiz Caldas sabe. Em entrevista a Maju Coutinho, no Fantástico, do domingo 23/02, ele disse: “você tem que viver a época em que você está vivendo, respeitar as regras. Eu acho desnecessário cantá-la”.
O painho da axé music vê desnecessidade de cantar porque a letra da canção tem versos racistas, machistas e sexistas, conforme aponta artigo de André Santana, no Uol, e vídeo da Jailson Andrade, o JAPantera, no Instagram entre outros.
A piada de mau gosto de “Fricote” naquela época passava e transmitia estupidez, quando ainda não tínhamos o hábito de rever atitudes e fazer “lavagem cerebral”, no estilo Gabriel o Pensador.
A falta de percepção era tanta que afetou até Paulinho Camafeu, parceiro de Luiz naquela composição. Ele mesmo talvez, por viver aquela época, não percebia que os cabelos duros enaltecidos por ele em Ylê Aye (Mundo Negro), onze anos antes, eram ridicularizados em Fricote.
Naquela época, a letra de Fricote passou. Hoje, não passa mais.
Música
Agora, além da letra, vale falar também da música. Afinal, Fricote foi disseminada muito também por conta do seu ritmo e de sua forma. Assim como o conteúdo, a estética importa.
O instrumental de Fricote, de certo modo, foi revolucionário para a sua época.
Naquela Bahia da guitarra baiana, fazendo frevo trieletrizado, com Armandinho, Dodô e Osmar, e da força emergente dos tambores dos grupos de samba reggae, no instrumental de Fricote quem fala mais alto é o teclado eletrônico.
Depois de começar com uma breve chamada de bateria, antes de encerrar com um solo do mesmo instrumento, Fricote apresenta um riff (se é que se pode chamar assim) de teclado que enlouquecia o público a fazer coreografia (“dança do Fricote”) incentivada pelo próprio Luiz Caldas.
Diante do instrumental, da coreografia, do marco histórico e por ser a canção seminal do axé music, será que Fricote merece ser uma canção esquecida e “desnecessária” por conta dos graves problemas na sua letra?
Reposicionar
Defendo que a resposta seja “não”. A história não vai mudar e deve ser lembrada até como aprendizado.
Então, a sugestão é manter a música e ressignificar a letra. Ao invés de ser uma letra pejorativa que seja uma letra de afirmação, a qual enalteça a beleza da mulher negra baiana de cabelo duro.
No marketing, fala-se muito em “rebranding” e “reposicionamento” quando as ideias das empresas ficam paradas no tempo e as mesmas precisam corrigir erros do passado.
É disso que Fricote precisa, dessa ressignificação, desse reposicionamento. De pejorativa, a empoderativa.
Naqueles anos 80, chamados por Raul Seixas de “charrete que perdeu o condutor”, o Brasil era um país que varria seus lixos para debaixo do tapete.
Não podemos mais agir assim. Não tocar, evitar, esconder Fricote é pôr o lixo debaixo do tapete. Precisamos encarar o problema, discuti-lo e limpá-lo de uma vez para que não mais se repita.
Afinal, foi por colocar lixo debaixo do tapete de forma ampla, geral e irrestrita, no final dos anos 1970 e início dos 1980 que vimos 2018 e estivemos por um triz em janeiro de 2023.
PS: Me empolguei e fiz até uma sugestão de reposicionamento de letra para Fricote.
Fricote Ressignificado
Negra do cabelo duro
Que sabe bem se afirmar
Quando passa na Baixa do Tubo
É linda de se admirar
Olha Negra do cabelo duro
Que sabe bem se afirmar
Quando passa na Baixa do Tubo
É linda de se admirar
Olha ela aí, olha ela aí
Meus Deus! (É tudo de bom)
Essa cor (É realeza)
É encanto, é beleza
Olha ela aí, olha ela aí
Meus Deus! (É tudo de bom)
Essa cor (É do Curuzu)
É um canto pra Omolú
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Moça da pele de ébano, do sol da Bahia
O seu balançado é mais que poesia
é a coisa mais linda que já vi passar

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